Sob as lentes de Walter Ney: Retratos de uma Londrina Afetiva
Fotógrafo baiano, radicado em Londrina, constrói no acervo do Museu de Arte uma narrativa visual de suas trajetórias e memórias
O que na década de 50 foi o prédio da antiga estação rodoviária de Londrina, na rua Sergipe, hoje é um espaço que abriga obras de arte, estimula e divulga a criação nas suas diferentes modalidades.
Inaugurado em 13 de maio de 1993, o Museu de Arte de Londrina possui um acervo composto por 210 artistas e mais de 600 obras, incluindo esculturas, fotografias, gravuras e telas, além de objetos variados como matrizes e placas.
Para proporcionar o reconhecimento simbólico de artistas que integram o seu acervo, o Programa Museu de Arte em Diálogos: Artistas, Acervo e Memórias foi iniciado em 2021. Desde então, a iniciativa promoveu diversos encontros, exposições, entrevistas biográficas e programações culturais, reunindo artistas, servidores e pesquisadores da cultura.
É nesse contexto que o projeto Biografias Audiovisuais dá continuidade ao programa, com a produção de videografias e matérias jornalísticas exclusivas sobre os artistas que compõem o acervo do Museu de Arte. Dentre os 210 nomes, a série acompanhará a trilha de 43 artistas pés-vermelhos, trazendo entrevistas exclusivas, detalhes sobre suas trajetórias, influências e processos criativos.
Inicialmente, seis personalidades do meio artístico londrinense foram selecionadas para participar desta etapa de gravações e produções de matérias. São eles Walter Ney, José Maria Frutuoso e Agenor Evangelista, representando a presença negra no Museu de Arte; e as artistas Udhi Jozzolino, Conceição Garcia Punhagui e Yoshiya Nakagawara, enfocando a produção feminina. Confira aqui a entrevista gravada com Walter Ney.

Quem é Walter Ney?
Nascido no sertão da Bahia, no município de Andaraí, Walter Ney Almeida Rego mudou-se para Londrina quando ainda era criança, aos dois anos, acompanhado pela mãe e pelos tios que vieram trabalhar na lavoura de café. “Tenho uma recordação muito boa daquela época inicial, com a gente esperando o ônibus na rodoviária e comprando bilhetes para visitar a família em Florestópolis”, diz.
Esse vínculo emocional com os espaços de Londrina refletiu posteriormente em suas fotografias, evocando o carinho e afeto que desenvolveu pela cidade.
Desde muito jovem, o fotógrafo já demonstrava uma inquietação criativa e um apreço pelo cinema. Seu ponto de partida no mundo da fotografia foi a fotopintura, um processo antigo de colorir fotografias em preto e branco, que foi apresentado ao artista por seu vizinho, quando Ney tinha 15 anos. “Trabalhei com isso por uns três ou quatro anos, e depois comecei a fotografar com uma máquina Kodak Xereta”, conta ele, lembrando-se da época em que começou a explorar essa linguagem.
A partir daí, passou a desenvolver um interesse especial por retratar a memória das pessoas. Décadas depois, para a exposição “Fotopinturas – Memórias Afetivas”, inaugurada no Sesc Cadeião Cultural em 2012, realizou entrevistas com moradores de diversas áreas rurais para conhecer a história dessas pessoas através de suas antigas fotografias.
As múltiplas faces do artista

Ao longo dos anos, Londrina tornou-se sua inspiração e um vasto campo de trabalho. Ney se encantou pelos detalhes da cidade, como o Lago Igapó, os edifícios do centro histórico e, é claro, o prédio da Antiga Rodoviária – o atual Museu de Arte –, cuja arquitetura modernista emblemática o fazia lembrar dos seus tempos de garoto.
“Mesmo não sendo londrinense de nascença, comecei a desenvolver trabalhos que envolviam diversos pontos da cidade, como o Calçadão, a Vila Casoni e a arquitetura dos anos do café. Então, sempre tinha esse olhar mais artístico e subjetivo dos lugares”, comentou.
Com o tempo, seu trabalho começou a evoluir para uma fotografia mais autoral, inspirada em mestres como Henri Cartier-Bresson, embora o fotógrafo logo tenha percebido a necessidade de encontrar sua própria linguagem artística.
Uma de suas séries mais conhecidas, “Horas Suspensas”, foi realizada em homenagem ao centenário de Haruo Ohara, famoso fotógrafo de Londrina. As imagens retratam cenas do cotidiano da cidade em preto e branco, em alusão ao aniversário de 70 anos de Londrina, e foram incluídas em um álbum presenteado a ele por Saulo Ohara, neto do fotógrafo pioneiro.
A carreira de Ney como policial federal, no setor de imigração, e sua trajetória simultânea como atleta possibilitaram que ele viajasse para diversos lugares. Isso o levou a desenvolver inúmeros temas que se conectam com suas viagens, mesclando vida e arte em um só ofício.
“Teve um trabalho que realizei quando fui competir em Nova York, durante o Furacão Irene. As ruas da cidade estavam vazias, e com isso consegui fazer um trabalho muito bonito, expressando esse vazio”, recorda.
Memórias afetivas – O Museu de Arte de Londrina (MAL) tem um papel especial na trajetória do fotógrafo. “Minha primeira exposição foi no Museu de Arte, onde conheci muitos servidores e pessoas do meio artístico”, relembra ele.
Entre seus colaboradores esteve a ex-diretora do Museu de Arte, Sandra Joia, com quem participou de diferentes projetos. Além disso, Walter Ney esteve presente em mostras e eventos comemorativos no local, incluindo a sua exposição em celebração ao aniversário de 10 anos do Museu de Arte, para a qual promoveu um ensaio de fotografias da edificação, que hoje integra o acervo do espaço.
O artista vê o Museu como um pilar fundamental para a preservação da memória e da cultura da cidade. Ele acredita que o espaço não apenas valoriza o trabalho dos artistas locais, mas também desempenha um papel crucial no registro histórico de Londrina, inspirando as futuras gerações a continuar preservando essa memória.
Ao longo de toda a sua trajetória, Walter Ney consolidou um vasto acervo, conectando memórias, pessoas e inspirando novas criações. Como ele mesmo define: “O interesse da gente é expor, mas, independentemente de mostrar as obras, eu sempre continuo fazendo meu próprio acervo”.
Texto: Manu Barioni, sob supervisão dos jornalistas do Núcleo de Comunicação da Prefeitura de Londrina.




