Elas conquistaram espaço e atendem com qualidade
Mulheres que trabalham como coveiras contam como é exercer uma profissão marcada pelo masculino e enfrentar o preconceito sem perder a alegria e a vontade de trabalhar com dedicação e excelência
Nos últimos anos muita coisa tem mudado na prestação dos serviços municipais, inclusive a entrada de um número maior de mulheres na administração pública e no exercício de tarefas maciçamente masculinas, como é o caso do trabalho de sepultadores.
Hoje, a Administração de Cemitérios e Serviços Funerários de Londrina(Acesf) conta com três sepultadoras que são pioneiras no ramo. Neide do Carmo Barbosa, Fernanda Camargo de Souza e Dinalva Macedo Florentino tiveram que enfrentar diversas barreiras, inclusive a do preconceito, até conseguirem o respeito dos colegas e contribuintes. Elas são as únicas coveiras de Londrina, entre os 20 que atuam neste trabalho no serviço municipal.
Para a superintendente da Acesf, Sônia Gimenez, o fato de ser mulher não interfere na qualidade do trabalho pesado executado como sepultadoras. “As mulheres não deixam de realizar seus trabalhos devido à dificuldade e, de um modo geral, são mais cuidadosas e, no serviço de coveira, elas conversam mais com os enlutados, têm um cuidado especial para tratar com a família, e têm uma sensibilidade maior, principalmente, quando são sepultamentos de crianças, de mães jovens ou filhos, porque são mães e se colocam no lugar dos familiares. Além disso, elas cuidam de detalhes durante a limpeza dos cemitérios como, por exemplo, com as flores. Posso dizer que são excelentes servidoras e que vestem a camisa da Acesf”.
Desde fevereiro de 2013, Neide do Carmo Barbosa é concursada da Prefeitura de Londrina. Antes de trabalhar na Acesf, ela já realizava a limpeza de jazigos no Cemitério Municipal Jardim da Saudade e no São Pedro a pedido de familiares que a contratavam. Segundo ela, não há outra profissão que deseje realizar, porque se sente feliz sendo sepultadora.
“Eu amo muito o que faço. Com esse trabalho, descobri algo que não sabia antes, que é o gosto em atender as pessoas, em ouvi-las nas horas que elas mais precisam e que estão muito fragilizadas. Tento atender todos bem, para que saiam daqui um pouco melhor do que quando entraram. Durante o sepultamento, as famílias estão sensíveis e precisam ser bem tratadas, bem atendidas”.
Para exercer cada vez melhor o trabalho Neide contou com a ajuda do marido que é coveiro da Acesf há quase 10 anos. João Carlos ensinou aquilo que aprendeu para a esposa e, hoje, os dois trabalham juntos no Cemitério Municipal Padre Anchieta. “Meu marido é meu parceiro, meu colega de trabalho. É uma benção podermos trabalhar juntos. Mas, se for necessário, trabalho com qualquer outro colega, porque tento sempre observar o lado bom das pessoas e fazer o meu serviço bem feito”.
Além de ajudar Neide com o ofício, João Carlos também apoiou a esposa nos momentos em que ela sofreu discriminação por ser uma mulher exercendo um trabalho essencialmente masculino.
“Quando passei no concurso, para alguns homens foi uma surpresa, outros tinham dúvida de que eu conseguiria, porque é um trabalho pesado, forte e tem coisas que nem um homem sozinho consegue fazer. Sofri discriminação sim e, às vezes, ainda sinto nas brincadeirinhas que as pessoas fazem. Mas com muita garra e apoio de quem me ama, aprendi a enfrentar essas situações e fazer meu trabalho bem feito. Cheguei até aqui por competência minha e, no meu trabalho, não deixo a desejar para ninguém porque amo o que faço e tento sempre melhorar”.
Servidora pública da autarquia desde o dia 2 de fevereiro de 2013, Neide auxilia no sepultamento e na manutenção do cemitério, fazendo a limpeza e a reforma no Cemitério Padre Anchieta. A pretensão dela é se aposentar na prefeitura e fazer uma faculdade em que possa ajudar mais as pessoas e passar o conhecimento que adquiriu durante seus 41 anos.
Fernanda Camargo de Souza
Além dela, os londrinenses que frequentam o Cemitério MunicipalSão Paulo podem contar com os serviços de Fernanda Camargo de Souza, que há três anos dá o seu melhor no trabalho de sepultadora. Fernanda é casada e mães de três filhas. Fez faculdade de Administração na Unopar e agora cursa Direito, na Pitágoras. Seu pai, já falecido, a familiarizou com a profissão que hoje ela exerce. Ele e o sogro de Fernanda trabalharam como sepultadores até se aposentar.
Assim como Neide, Fernanda também sentiu o preconceito por exercer uma profissão considerada masculina. Quando começou a trabalhar como coveira, ouviu comentários discriminatórios. “Os coveiros diziam que isso não era serviço de mulher. Se fosse, era pra eu então me virar sozinha. Aos poucos fui conquistando meu espaço e o respeito dos colegas. Até hoje, algumas pessoas estranham e quando chegam, procuram pelo coveiro e digo que sou eu. Muitos esperam concluir o trabalho para ter certeza que a coveira era eu mesma”.
Mesmo com o preconceito que sofreu Fernanda não largou o trabalho e utilizou esse obstáculo para lhe impulsionar e dar força de querer sempre exercer o trabalho da melhor maneira possível. “Muita gente gosta de ser atendida por uma mulher, pelo cuidado, pelas palavras, eles gostam da forma como são atendidos. Mas há de tudo. Para algumas pessoas é mais curiosidade do que preconceito. Mas, apesar de tudo, enquanto eu ficar aqui, farei bem feito”.
Ao falar dos sonhos e dos projetos para o futuro, ela afirma que quer fazer outros concursos públicos e continuar sendo servidora pública.Como estuda pela manhã e trabalhano período da tarde, ela conta com a ajuda da família na distribuição das tarefas da casa. “Somos uma equipe”.
Dinalva Macedo Florentino
Além de Fernanda, o Municipal João XXIII também tem o suporte da sepultadoraDinalva Macedo Florentino, 41 anos. Ela é casada, mãe de três filhas e atua na área desde abril de 2010. Já trabalhou também no Padre Anchieta e no Jardim da Saudade.
Dinalva contou que quando prestou o concurso, a convite de uma prima, o marido não se importou com o fato dela poder se tornar uma coveira, mas este quadro mudou quando ele soube que ela havia passado. “Meu marido dizia que não era serviço de mulher. Ele perguntou por que eu não procurava outra coisa. Como demorou quase dois anos para eu ser chamada, deu tempo dele aceitar a ideia”.
Ao falar de preconceito, Dinalva lembra que no começo os outros coveiros faziam piadas e não acreditavam que ela conseguiria exercer a profissão. “Até porque uma mulher já tinha sido convocada para a vaga antes e não ficou. Aos poucos isso foi mudando e, hoje, os homens nos respeitam. A gente pode não ter a mesma força física, mas faz o mesmo serviço. Tem atividades que a gente poderia não ter conseguido realizar, mas muitos homens também não conseguiriam”.
Dinalva já chegou a participar de dez enterros em um único dia. Ela conta que as pessoas estranham o fato de ser uma coveira mulher, que muitos não acreditam que ela exerça essa atividade e outros chegam a comentar que as mulheres estão tomando o lugar dos homens. “Não me importo com isso, nunca tive problemas com chefes e minhas filhas aceitam bem minha profissão. Não penso em mais nada, sou feliz na profissão que escolhi”, concluiu a coveira.