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Trilha da Cidadania leva independência e autonomia às pessoas em situação de rua

Implementada pela Prefeitura de Londrina, a premiada iniciativa vai da abordagem ao acolhimento e moradia em repúblicas visando a superação  

Desde 2019, Londrina conta com uma proposta inovadora de inserção e assistência para pessoas que estão nas ruas e fazem desse espaço sua moradia. A Trilha da Cidadania é uma metodologia que reúne diversos serviços públicos ofertados pela Prefeitura, de forma direta ou parcerias, para promover a autonomia e superação aos homens e mulheres que encontram-se em situação de rua.

Mais do que oferecer um acolhimento, a Trilha da Cidadania busca que cada pessoa conquiste o bem-estar físico e mental, e trabalha nos diversos fatores que provocam que uma pessoa permaneça nas ruas. Para isso, vários passos compõem essa metodologia, que avança até viabilizar a autonomia e independência de cada pessoa assistida.

O início da jornada na Trilha da Cidadania pode ocorrer mediante a abordagem social, busca espontânea ou encaminhamento feito por serviços socioassistenciais, saúde, sistema judiciário e outros. Após a regulação feita pela Central de Vagas da Secretaria Municipal de Assistência Social, essa pessoa é inserida na Casa de Passagem, feminina ou masculina, onde recebe uma apoio emergencial e de curta duração.

Da Casa de Passagem, caso não seja possível retomar o convívio familiar ou seguir de forma independente, a pessoa avança para o acolhimento institucional. O acompanhamento também abrange atendimentos de serviço social e psicologia, além de encaminhamento para outros serviços que forem necessários.

Divulgação/SMAS

Os últimos percursos da Trilha da Cidadania são as repúblicas, que podem ser de supervisão moderada ou leve. De forma coletiva, os moradores dessas unidades são responsáveis pela limpeza, manutenção organização do espaço e, na república leve, todos trabalham para obter sua fonte de renda e garantir sustento.

A secretária municipal de Assistência Social, Jacqueline Marçal Micali, comentou que a Trilha da Cidadania acompanha cada pessoa desde a abordagem, passa pelo acolhimento institucional e faz a transição para residência em uma república, até que esse cidadão consiga se manter plenamente. “Fazemos um planejamento para auxiliá-lo a reformular seu projeto de vida e, por meio de articulações e acesso facilitado aos serviços públicos, superar essa situação de rua. E esse é o resultado que mais se destaca; hoje, por exemplo, na república moderada masculina, 70% estão no mercado de trabalho formal e informal. Isso destaca que, com o devido acompanhamento do poder público, a Trilha da Cidadania realmente funciona, e que a superação da situação de rua se dá mediante o acesso a políticas públicas de qualidade”, frisou.

O autônomo Luiz Alberto Bruner, de 53 anos, um dos acolhidos. Foto: Emerson Dias/NCom

Uma das pessoas atendidas na república moderada masculina é o autônomo Luiz Alberto Bruner, de 53 anos. Após enfrentar um grave problema de saúde, que resultou em sua internação por dois meses, Bruner se viu sem moradia quando conseguiu a alta hospitalar.

Inicialmente, ele passou pela Casa do Bom Samaritano, que é uma instituição de acolhimento vinculada ao Município. “Fiquei lá algum tempo, e continuei o tratamento para a doença. Com o passar do tempo, já mirando a independência e a autonomia novamente, vim para a república. O tratamento já está finalizando e consegui seguir com a vida normal”, contou.

Bruner, que faz trabalhos pontuais como técnico de informática, explicou que todo morador tem atividades para executar na república. “Tem tarefas para todo mundo, todos os dias, para poder manter a casa em ordem. Preparamos almoço, janta, limpeza de banheiro, da sala, dos quartos, para ter uma vida organizada. E tem ainda o acompanhamento profissional dos educadores, que dão apoio para a gente no agendamento de consultas, entrevistas de emprego, eles ajudam em tudo que é possível”, elencou.

Ana Carolina Ferreira, coordenadora de duas repúblicas da Assistência Social. Foto: Emerson Dias/NCom

A coordenadora de duas repúblicas masculinas de supervisão moderada, psicóloga Ana Carolina Ferreira, reforçou que a Trilha da Cidadania faz um atendimento por completo da população em situação de rua. E na etapa das repúblicas, estão pessoas que já possuem certo nível de autonomia. “Aqui damos continuidade a esse trabalho, e dentro da casa eles têm atividades, a organização e gestão do espaço fica por conta deles, tudo isso visando prepará-los para a vida independente, que seria alugar um lugar ou o retorno familiar. Os educadores ficam aqui e mediam as atividades, auxiliam nas escalas, acompanhando de perto todo o processo. Tem pessoas que chegam aqui, por exemplo, e não sabem cozinhar, mas vão aprendendo com o tempo, e o papel do educador nesse processo é prover atividades e oficinas para que consigam se desenvolver”, detalhou.

Atuação intersetorial – Além da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS), a Trilha da Cidadania envolve outras secretarias e órgãos municipais e de outras instâncias do poder público. Dentre elas, a Secretaria Municipal de Saúde, que participa principalmente por meio do Consultório na Rua, das Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

Secretária de Assistência Social, Jacqueline Micali. Foto: Emerson Dias/ Arquivo NCom

Micali explicou que o encaminhamento varia conforme as necessidades que cada usuário apresenta. “Fazemos várias abordagens intersetoriais com a Saúde, nos pontos onde sabemos que têm pessoas em situação de rua. E contamos com um serviço de Caps itinerante, que não existia, e que percorre a Casa de Passagem e outros acolhimentos. Hoje, o principal desafio está na questão de saúde mental, envolvendo problemas psiquiátricos ou o uso de substâncias”, citou.

O Serviço de Saúde Mental itinerante é composto por uma equipe volante de dois profissionais, sendo um de psicologia e outro de enfermagem. Eles atuam em doze unidades da cidade, e prestam atendimento não só para as pessoas acolhidas, mas também aos educadores e cuidadores que trabalham nesses locais.

O psicólogo Sérgio Kazuyoshi Fuji integra esse equipe desde sua criação, em meados de 2022, e contou que o serviço itinerante se soma à atuação dos três CAPs existentes na cidade – Álcool e Drogas, Infantil e Caps III, mais o Pronto Atendimento. “Os serviços de Caps hoje se situam nas especialidades e atendimentos de situações com demarcador dos transtornos mentais ou indicativos de possíveis transtornos. Já o serviço volante tem outra perspectiva, ele vem para atuar na linha de cuidado em saúde mental, ou seja, é um pouco mais amplo. A gente lida com situações desde a primeira infância até a velhice, busca fazer o trabalho de compreensão do que é a saúde mental, e não só relacionar com algum tipo de transtorno ou doença, mas com a produção de saúde e cuidados. Quando pensamos em superação dessas condições que eles chegam nos acolhimentos, o desafio maior é descontruir os sentidos que foram edificados em relação à inúmeras situações que a vivência das situações de violência e violação de direitos trazem”, frisou.

Uma das repúblicas que integram a Trilha da Cidadania. Foto: Emerson Dias/NCom

Junto às equipes que atuam nos acolhimentos, o serviço de saúde mental itinerante promove orientações, discussões e estudos de caso, para qualificar esses trabalhadores em sua atuação diária. “Os benefícios desse acompanhamento, para trabalhar a qualificação profissional, envolvem a compreensão do que é saúde mental. Esse trabalho fortalece as unidades para receber novos casos e dá atenção também às equipes, porque há uma demanda emocional muito grande, a questão afetiva que atravessa esse serviço é bastante exigente. Entendemos que a atenção para as equipes é importantíssima, e temos buscado fazer isso com encontros, na nossa organização, quando focamos no cuidador e no educador”, citou o psicólogo.

Além da Saúde, a Secretaria Municipal do Trabalho, Emprego e Renda também pode ser acionada para encaminhamento dos acolhidos às oportunidades no mercado de trabalho. E, na Companhia de Habitação de Londrina (Cohab-LD), o cadastramento viabiliza que a pessoa, desde que atinja os critérios estabelecidos, seja inserida em programas habitacionais, como o Minha Casa, Minha Vida. “A Trilha envolve inúmeros protagonistas da política pública. A porta de entrada costuma ser a Assistência Social ou a Saúde, mas ao longo dessa jornada esse usuário vai necessitar de ambas, além de trabalho e habitação. Para isso, a partir de 2019 contratamos 25 orientadores sociais para abordagem de rua, implementamos as duas casas de passagem, ampliamos os acolhimentos e criamos as repúblicas moderadas e leves”, reforçou a secretária municipal de Assistência Social.

Entre as muitas conquistas obtidas pela Trilha da Cidadania desde sua criação, está o reconhecimento com o primeiro lugar no prêmio Gnova Cidades – Cidades que transformam, que ocorreu em 2021 após disputa com projetos de mais de 200 municípios. Como resultado, no ano seguinte a iniciativa contou com assessoria prestada pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), o que repercutiu com um aprimoramento da Trilha da Cidadania.

Em breve, os planos incluem o lançamento de um jogo, que poderá ser desfrutado por qualquer pessoa, com o objetivo de esclarecer as etapas percorridas na Trilha pela pessoa em situação de rua. “Temos hoje mil pessoas em situação de rua na Trilha da Cidadania, seja porque foram abordadas por nós, continuam sendo abordadas, ou elas já estão em um acolhimento, na república ou no Centro Pop.  O que ocorre às vezes é que essa jornada não é uma linha reta, ela é como a nossa vida. Então as pessoas podem chegar hoje na abordagem e já voltar para sua casa, ou podem ir até a república, por exemplo, e voltar para as ruas. A Trilha da Cidadania reflete a vida de cada um, diante da sua condição. São pessoas como qualquer outra, com as suas fragilidades e potencialidade. O que nós buscamos, com a Trilha, é facilitar, de uma maneira lógica, que ele faça o seu novo projeto de vida”, enfatizou a secretária municipal de Assistência Social.

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