Londrina se destaca com educação antirracista nas escolas da rede municipal
Estudo realizado em 1.187 secretarias municipais de educação do país coloca Londrina entre os seis municípios que mais se destacam no ensino de história e cultura afro-brasileira e africana
A cidade de Londrina está entre os seis municípios brasileiros que estão superando os desafios para implementar a Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira, e completou 20 anos em janeiro do ano passado. O estudo que coloca Londrina em destaque na educação antirracista foi realizado pelo Geledés Instituto da Mulher Negra e pelo Instituto Alana. Além de Londrina, a pesquisa reúne experiências exitosas das redes municipais de ensino em Belém (PA), Cabo Frio (RJ), Criciúma (SC), Diadema (SP) e Ibitiara (BA).
Os dados estão na segunda fase da pesquisa, intitulada “Lei 10.639/03 na prática: experiências de seis municípios no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira”, de cunho qualitativo. Esta segunda etapa trouxe um estudo de caso das seis cidades que mais se destacaram na primeira fase da pesquisa (quantitativa), divulgada anteriormente (abril de 2023), no que se refere à aplicação da lei. Os municípios apontados estão na contramão da maioria das cidades brasileiras, já que, segundo a primeira fase do estudo, das 1.187 secretarias municipais de educação ouvidas, mais da metade (53%) admitiram que não realizam ações consistentes e contínuas para aplicação da lei.
A pesquisa cita que Londrina é uma cidade que se destaca pela atuação do movimento negro, tem conquistas e um compromisso com as políticas de promoção de igualdade racial no Município, dentro e fora das escolas. Segundo o estudo, desde a aprovação da Lei 10.639/03, há um esforço das redes municipal e estadual para capacitar os professores e inserir a temática de maneira transversal e mais consistente nas escolas. “A principal forma de atuação acontece via Comissão de Diversidade nas escolas e em formações continuadas”, mencionou o documento.
O estudo também aponta que há, pelo menos, cinco instrumentos diferentes na cidade voltados à agenda étnico-racial, que são: Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (CMPIR), criado em 2007; Grupo de Trabalho de Combate ao Racismo, coordenado pelo Ministério Público do Paraná (MPPR), criado em 2012; Política de cotas raciais para o ingresso em cargos da administração pública do município instituída em 2013, aumentando o número de professores negras nas escolas; Gestão de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, setor ligado ao Gabinete da Prefeitura de Londrina; e Plano Municipal de Igualdade Racial, criado em 2021. A cidade conta, ainda, com o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
A secretária municipal de Educação de Londrina (SME), Maria Tereza Paschoal de Moraes, disse que a secretaria se destaca porque as 182 unidades escolares da rede contam com uma Comissão da Diversidade que cuida da implementação da Lei 10.639. “Isso consolida, especialmente, as práticas antirracistas na secretaria. A Secretaria de Educação de Londrina é antirracista, por isso temos o letramento racial, que é um processo de reeducação racial, para os nossos servidores e alunos, além de muitos cursos de formação nesta área e na temática indígena e dos povos originários”, ressaltou.
Comissão da Diversidade – Juliana Bueno Grizos de Carvalho, do Apoio às Relações Étnico-Raciais e Valorização à Diversidade da SME, explicou que a Comissão da Diversidade é responsável por organizar, dentro da unidade escolar, o trabalho com as temáticas relacionadas à educação das relações étnico-raciais a aplicação da lei. “Essa comissão é composta, geralmente, por quatro membros, incluindo o diretor ou vice-diretor, um dos coordenadores pedagógicos, um professor do período da manhã e um da tarde, e pode chegar até 10 membros. Estes membros fazem parte da formação ofertada pela SME e são agentes multiplicadores das temáticas, ou seja, eles voltam para as escolas e multiplicam as informações que recebem para toda a equipe. Também são responsáveis pelo compartilhamento dos materiais que a secretaria produz e por auxiliar os demais professores na implementação do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas salas de aula”, contou.
A Comissão da Diversidade também trabalha no campo da educação dos direitos humanos, educação ambiental e educação indígena, buscando incluir e letrar, racialmente, todas as crianças da rede. Neste ano, a formação da Comissão da Diversidade será ofertada em conjunto com a UEL, por meio do Neab. Para o ano de 2024, a intenção da SME é aprofundar, ainda mais, a temática das formações das comissões da diversidade.
A Secretaria de Educação também possui o Apoio às Relações Étnico-Raciais e Valorização à Diversidade, que faz a articulação com as escolas, fornecendo materiais e formações. Em 2023, a SME lançou uma campanha permanente de letramento racial, que determinou que, a partir de então, a secretaria assume o título de Secretaria Municipal de Educação Antirracista, sendo guiada por um conjunto de atitudes e ações que promovem o letramento racial dos servidores, professores, funcionários e das crianças. “Todos os profissionais da escola passam por estas formações, inclusive os inspetores, que chegaram recentemente, e até os terceirizados da limpeza, pois entendemos que todos os que estão na escola têm um papel na formação integral das crianças e por isso precisam caminhar conosco no letramento racial”, mencionou Carvalho.
Nas escolas, a orientação é que os temas devem ser trabalhamos na implementação do currículo, de forma transversal, não apenas em datas comemorativas, ou seja, um trabalho contínuo que contextualiza o ensino e aprendizagem dentro das unidades. “A história, a cultura, as artes, as literaturas, o artesanato e os instrumentos, tudo que faz parte da cultura afro e indígena, tem que fazer parte do cotidiano da escola e ser contexto nas aprendizagens específicas. O trabalho, na rede, é feito de forma integrada, nas aulas de português, história, geografia, ciências, artes, educação física, em todos os componentes curriculares e campos de conhecimento e saberes da Educação Infantil. Com isso, integramos a história e a cultura afro-brasileira, africana e indígena no cotidiano das crianças, como de fato deve ser conduzido o trabalho, para que isso não seja estereotipado ou apresentado de forma fragmentada. É um trabalho que acontece durante todos os meses do ano”, explicou Juliana Carvalho.
Em 2023 a SME realizou uma ação pontual de entrega de materiais específicos às escolas, para trabalhar com o letramento racial das crianças, por meio do artesanato e artes africanas, voltado à autoestima, autoimagem, identidade e multiplicidade das identidades. Neste ano, a secretaria está trabalhando com uma licitação de materiais específicos para o trabalho com a diversidade. “O nosso intuito é distribuir, nas unidades escolares, materiais específicos para este trabalho de letramento racial, como tintas, canetinhas, lápis de cor, nos tons de pele, para que todas as crianças consigam se sentir representadas por este material e construir uma identidade, uma autoimagem, baseada na sua representação. Também trabalhamos com o envio de literaturas específicas com esta temática, para que as crianças possam ter acesso a estes bens culturais de forma mais efetiva. Temos, também, a intenção de distribuir tecidos para que as escolas possam confeccionar bonecos e brinquedos, para que, através das brincadeiras, possam representar a cultura história afro-brasileira e africana”, concluiu Juliana Carvalho.
Enfrentamento ao racismo e ao preconceito – A gestora de Igualdade Racial da Prefeitura de Londrina, Fátima Beraldo, acredita que investir no ensino da história e cultura afro brasileira e indígena nas escolas e promover o debate sobre a questão racial é o caminho para fazer o enfrentamento ao racismo e preconceito que atuam como impeditivos para a pessoa negra acessar a educação.
“É preciso reconhecer os ambientes de educação como espaços determinantes e possíveis de efetivação de justiça social por garantia de direitos, mas também é preciso reconhecer que a escola, onde a pessoa permanece parte significativa de sua vida, reproduz desigualdades e opressões. Assim, é da maior importância o fortalecimento de tratativas pelo combate às desigualdades raciais e sociais, no sentido de propor e construir ações que, de fato, sejam promotoras da igualdade racial, na perspectiva do reconhecimento de que o racismo é um empecilho para o bem da sociedade, aplicação da justiça e garantia de direitos de forma equânime”, apontou a gestora.
Para Beraldo, conversar sobre a efetivação da Lei 10.639/03, atualizada pela Lei 11.645/08, significa, antes de tudo, reconhecer diversidades para reduzir as desigualdades persistentes na sociedade brasileira. “Londrina vem se destacando, em nível nacional, por atuar na perspectiva de uma educação antirracista, e isso é muito importante. Contudo, a sociedade ainda está distante de celebrar êxito, pois o preconceito, a discriminação racial e outras assimetrias decorrentes de uma sociedade marcada por um racismo, que é estrutural e estruturante das relações, são impeditivos para a efetivação e execução de políticas que venham contemplar os desiguais na perspectiva do que seja justiça social. Então, há uma distância significativa entre ter direitos e ter justiça social”, concluiu.